quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Horas

Têm horas do dia que os segundos são assim (...).
É porque o peito fica vazio, vazio,
de tão cheio que ele é.

Têm segundos que não existem formiguinhas.
Elas todas fogem.
Simplesmente desistem de provocar as cócegas que fazem rir.

Têm dias em que as horas teimam em não ser bobas.
Os minutos trabalham sérios, cabisbaixos.
E os pobres segundos, que sempre gargalharam, já não sabem como se comportar.

Têm dias que precisam ser reinventados para que consigam terminar.


Nem lá, nem cá. Fundo de Quintal

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Borbulhante

O sono não foi tranquilo. Nada amornou seu coração, tudo estava em estado borbulhante. Já não sabia mais o que preferia: inércia ou incomodo. Alguns estranharam o seu silêncio, mas ela alegou cansaço. Dormiu sua noite mal dormida. Novamente assumiu o volante pela manhã, mas dessa vez não tinha cantoria, só o melancólico quis acompanhá-la.

Pensou durante o caminho inteiro sobre o que deveria fazer. Sabia que estava tudo errado. O sofrimento de todos os dias já lhe mostrava e a covardia dele frente ao amor também. Sempre iria faltava coragem, mas, por mais que ela negasse, aquele Donald trapalhão era o dono de todos os seus melhores sorrisos. E ela tinha certeza de que a Margarida dessa história era ela. Blasfemou contra a convenção e seguiu dirigindo.

Não havia jeito. Dessa vez ele mesmo tomou a decisão de seguir o caminho certo e acabar com tudo. O que ela pensava, naquele instante, era se suportaria a gentileza de uma simples amizade. Achava que a convivência faria ela sofrer o dobro pela ausência. Decidiu que não era forte o suficiente para aquilo.

Desceu do carro, quase ofegante por tanta urgência, e ligou para o número que já havia deletado da memória do celular. Do outro lado atendeu o timbre preferido dos seus ouvidos e isso foi o suficiente para que todos os seus sentidos reconhecessem os sinais. Quase se desesperou.
– Oi minha menina. Já chegou? Tudo bem?
- Então... Liguei porque estive pensando.
- O que foi?
- Eu não quero manter contato. Gosto demais de tudo pra conviver assim.
- Não acho necessário, mas se você quiser, eu respeito.
- Eu quero.
- Escrevi pra você agora pouco.
- Bacana, depois eu leio. Tchau, um beijo.
- Tchau.

Entrou no metrô sem sentir o chão. Voltou a si gradativamente, porém mais forte. As horas se arrastaram lacrimosas. O amigo do dia anterior e que tanto frenessi despertará, nem deu sinais. Ela esperava mendingante sua ligação, pois seria muito bom uma cerveja acompanhada de novos sorrisos. Quando já fazia noite alta, resolveu ligar. Ele, depois de alguma hesitação, desmarcou o encontro combinado. Ela foi pra casa triste e decidida a não procurá-lo no dia seguinte. Ao chegar se deparou com aquele, que distante dos outros dois, conhecia os seus olhares melhor do que qualquer outro. Ainda não sabia o que enxergava na névoa naquela noite.


Samba de Amor e Ódio, Roberta Sá.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Céu nublado

- Já matou a vontade daquele dia?
- Não... – Respondeu ele sob um sorriso silencioso, que ela descobria a cada segundo ser muito singular. Ficaram calados, quase adormecidos, enquanto a mão dela passava pelos cabelos dele, que era todo preguiça e se enroscava como gato pra dormir no seu colo.
- Hoje está nublado. Acho que choveu enquanto dormíamos.
- É...
Mais silêncio e ela solta seu riso irônico, que se ele a conhecesse saberia que se tratava de um prenúncio de aborrecimento.
- Meninos são muito diferentes. Enquanto falamos sobre vontade, vocês falam sobre o tempo.

Silêncio, silêncio, silêncio. Ele resolveu fumar um cigarro. Ela ficou de bobeira no colchão, conversando com seus pensamentos. Arrastaram-se segundos, ela não resistiu e foi para a porta da cozinha. Puxou um assunto desinteressado que lhe rendeu mais detalhes sobre a vida dele. A buzina do carro soou. Momento de ir. O ar desconcertado da casa conflitava com a alegria das visitantes. Saiu apressada.

O sorriso dele, que ela não conseguia esquecer, e o beijo no portão sugerindo ao imaginário que talvez existisse alguma chance. Foi embora pensando no contra. O a favor lhe mostrava que ele simplesmente era assim, solitário, só dele. Lembrou-se do acolhedor da madrugada. Rumou para novos ares sem entender muito o que se passava. As horas foram maturando.

Quando a tarde caiu, ela resolveu ligar. Ele atendeu com o jeito espontâneo de sempre, deixando transparecer tudo o que ela adorava. A menina, meio sem jeito por sua agonia matutina, se desculpou. Ele, com a alma leve dos moços inocentes, afirmou que estava tudo bem. O seu coração ficou mais feliz e a noite ganhou cadência.


Sutilmente, Skank.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Destino

Quem já levou um pé sabe como ela estava se sentindo naqueles dias. A história se arrastava há tempos. O moço dava constantes sinais de desgaste, mas ela, tão devotada àquela maluquisse, tentava não ver. Aquele amor já começará todo errado, todo do avesso, mas era bom e ganhava sempre muitos sorrisos à sua moda. Acabou de um jeito que não supunham, mas como diz o Paulinho da Viola “A solidão é o início de tudo”.

Na primeira madrugada não conseguiu pensar como a sábia frase, passou em claro, chorou, escreveu, releu todas as coisas que já tinha dito, escreveu outras tantas, o difícil foi se amainando. Sofrimento, caro amigo, é feito pra sofrer até se esgotar. Foi o que ela fez. Quando acordou não tinha vontade de nada, obrigou-se, pois sabia que não valeria mais um dia inerte. Colocou o que ainda restava de dor na gaveta e assim se foi.

Lugar improvável para uma cidade que oferecia milhares de passeios interessantes. Preferiu a companhia dos seus. Dirigiu sem pensar em nada. Olhou o dia lindo de sol, pensou que a filha gostaria da aventura. Mudaram os planos, escolheram um lugar que não era a primeira opção. Sentaram sem se preocupar com a estética. Falaram amenidades. Furtivamente ela fugiu em alguns momentos. Caminhou com seus pensamentos. Ouviu galanteios que não lhe despertaram. Foi simpática, conversou, sorriu, mas estava ausente.

Quando o sol baixou, os caçulas já se conheciam e se divertiam. Ela sorria de longe vendo a tarde cair. Chamaram-na à mesa, mas não a convidaram a sentar. Ela, na sua segurança de quem nada quer, se convidou. Ele tinha ares distantes. No começo pensou ser levemente arrogante, mas depois foi notando os detalhes. A conversa desenrolando. As histórias os fazendo rir. Os fios do destino que iam tramando beleza. O sorriso já inebriava. Os silêncios demonstravam timidez. Os olhos, uma certa melancolia. Ela não mais lembrava do triste. A atmosfera já se fizera cúmplice. Sem perguntas ele a tomou como sua, seus olhos já a haviam denunciado. Também sem perguntas ele a levou para sentir a brisa, o mar, a lua, as estrelas. O desejo abraçou a noite.

Depois de tempos, voltaram a terra. Cada um para o seu lado. Telefones e possíveis encontros. Ela voltou feliz, seu coração lhe dizia que naquela noite ela havia ganhado um presente.


Futuros Amantes, Chico Buarque.
03/11/09

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Mamulengos

Coçava os joelhos levemente e suspirava. Suspirava aqueles suspiros profundos dos velhos negros. Ele era grande, sólido e altivo, mas suas mãos, apesar de fortes, eram solitárias. Talvez pedissem solicitude, mas eram orgulhosas e pensativas demais para isso.

As mãos e os joelhos conversavam naquela manhã. Foi possível ouvir um sussurro: “Desejaria-te toda a bossa de uma vida”. As mãos sorriram amavelmente para os joelhos.
15/10/09


Magamalabares, Marisa Monte e Carlinhos Brown.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Tratado

Aprenderei a não mais ficar triste, pode confiar.
E teremos somente encontros fraternos regados a cerveja e histórias presentes.
Casos de um tempo novo.
De horas coloridas por sol e sorrisos.
Um tempo que virá receber o amor que transborda do meu peito em vão.
Um tempo que cantará em dueto.
Um tempo de sorrisos sinceros.
Um tempo de emoções que farão cócegas.
Um tempo onde o mundo se dobrará em gargalhadas.
Um tempo de pés na mesma direção.
Um tempo de dois cafés da manhã.
Um tempo de adormecer de mãos dadas.
Um tempo de renascer ao amanhecer, mesmo descabelada e com a cara amassada.
Tempo de sonhar com novo par.
Esteja certo, daqui um tempo tudo será absurdamente feliz.


Lamento, Tim Maia

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Tons

Um velho filme fragmentado em dobradiças enferrujadas. O trailer em branco e preto. Um encontro desastrado que troca os pares da história e discute sobre a formação do Brasil e seu português. A cena inicial a retratar o esforço do moço pleiteando o segundo momento. A moça desconcertada, relutando. Cores que surgem quando ele, subindo a avenida, aperta sua mão e lembra que sonhou exatamente com aquele cenário na noite passada. Tudo se desenrolando na cabeça que dormia. Rostos de crianças, futuro, momentos, tristezas, alegrias.
Em uma das dobradiças ficaram as cores. A película voltou ao monocromo. Certa tarde alguém retomou a aquarela e pintou tons pastéis. O filme coloriu.


Esse seu Olhar, Toquinho.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Café

Quando virou as costas seu coração corria léguas à frente dos minutos.
As formiguinhas ainda reconheciam o caminho de casa.
Aqueles olhos ainda lhe ofereciam um mundo.
Todas as flores sorriram naquela tarde.


Chan Chan, Buena Vista Social Club

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Finito

O infinito do amor pode tornar-se finito.
A eternidade só é permitida em companhia da alma.
A verdade é sempre tão devotada que respeita o retiro.
O amor é sempre tão passional que não respeita a nuvem.
Ela conhece sua alma, mas não lhe é permitido visitas.


Retiro, Paulinho da Viola.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Búfalo

Voltou com a cabeça cheia de formiguinhas correndo. O peito, que era barril de pólvora, estava muito próximo do fogo. Andaram se aproximando de território sagrado e isso ela não admitiria. Seria capaz de matar ou morrer.
Inhasã pariu 9 filhos e se transformou em búfalo que atacava quem chegasse perto dos seus rebentos. Ela havia parido só uma, mas já estava prestes a vestir sua pele.



Canto de Ossanha, Fabiana Cozza

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A moça. A espera.

“Só vim te convencer, que eu vim pra não morrer, de tanto te esperar...” O Chico cantava na velha vitrola. O chiado do vinil imprimia nostalgia à sala arrumada. A moça, que já não tão moça, colocava, em todos os dias de angustia, a sua melhor roupa, o seu perfume predileto e o batom que realçava o que ele mais gostava nos velhos tempos.
Ela ainda esperava, só não mais sabia exatamente o quê.

12/07/09


Sem Fantasia, Maria Bethania e Chico Buarque.

Tio

“Ontem estava tudo bem”. Era isso que ele pensava o tempo todo. O mundo virou de cabeça pra baixo e ele nem percebeu.
Achou, que naquele instante, os segundos eram sorrateiros e ficavam espreitando os fatos bem de longe só para correrem em disparada quando menos se esperasse.
Ainda era possível ouvir seu riso. Ainda era possível admirar a sua vaidade. Ainda tinha tanto brilho naqueles olhos que se cerravam. Até o mais cético dos mortais, naquela tarde, desejou acreditar em milagres.

12 de julho de 2009.


Sabiá, João Nogueira.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Sonho em redondilha

Na noite em que adentrei o mundo das preferidas de Balzac, tive um sonho em redondilha. Metrificada, entrei em um tempo de cocotas francesas que não foi meu. As companhias desatavam, mas o meu coração batia em compasso unificado à beleza do grande teatro.

03/09/2009.


Desesperar Jamais, Beth Carvalho e Mariana Aydar.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Geração

Todas as noites da semana ensaiavam parir o rebento que encheria de som o bar em uma comemoração despedida. Nessa construção, lenta e deliciosa, a mãe cantava, enquanto o padrinho tocava. A vovó parava e ficava ouvindo da cozinha. Ela, pequenina, entoava o refrão e até hoje ainda tagarela o lerelere em uníssono com a mais velha.

Saudades da voz.


Zé do Caroço, Mariana Aydar.

O literato

A fala é inquieta. O corpo miúdo e os gracejos infundados. A inteligência é real, assim como o simpático. A dúvida de não conhecer o real, encantam e entorpecem. É assim o fim da noite.

31/08/09

Monstro ao Pôr do Sol, Thalma de Freitas e Max B.O.

Alma em descompasso

O bar era bacana. As pessoas indiferentes. Os amigos muito especiais. Mas a música, nossa, essa não podia ser pior. Sua cabeça já não estava boa, uma mistura de cansaço, fome e acúmulo faziam dela chumbo. Só amigos tão queridos para desviarem-na do seu caminho.

O telefone tocou, certamente era um convite para ouvir jazz de bom compasso. Foi impossível não fazer comparação. Música eletrônica tocada em um bar comum, sem luzes ou embriaguez, definitivamente não faziam seu estilo. Pensou muito no jazz, na bossa, no Cartola, em lugares repletos de pessoas acima de 28 anos e no seu misto-quente que nunca chegava.

Lembrou-se do velho Buko, que muito antes de morrer já não ia a grandes shows, mesmo os seus preferidos, sua alma já andava em descompasso. Era isso! Encontrou o diagnóstico: alma fora do lugar. Ainda bem que os amigos deram remédio e a puxaram pelo pé.

Não teve como deixar de soltar um riso debochado. Tinha que admitir: “meninos são diferentes de meninas. Eles se divertem bem mais”.
Como são sabidos os guris.


Tranquilo, Thalma de Freitas.

Tigresa

Ele olhava para todos os lados. O samba estava cheio de moça boa, mas nenhuma ainda o havia apetecido. Quando ela chegou, ele sentiu um frio na espinha, como se já sentisse aquelas unhas passando de leve nas suas costas.

Desafiadora, tirou onda da cara de cada um da roda. Ria uma gargalhada debochada que vinha de dentro. Sua liberdade transparecia, assim como as brasas que acendiam as vastas ancas. Ele, já embebido naquilo, não enxergava mais nada, nem o que dançava ao seu redor.

Ela se fez de difícil, mas enfim o beijou do jeito que ele imaginara. E também roçou as unham como ele delirara a tarde inteira. Só atiçou sua vontade e foi embora. O moço nunca mais a esqueceu. O encantamento o acompanha até hoje. Ainda é capaz de fechar os olhos e fazer muitas coisas em sua intenção.


Acesa, Alcione.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Colo de Iemanjá

Certo momento, quando tudo tornou-se nuvem e desespero, a moça fez besteira. Depois de todo feito, despedaçada, pediu ajuda a quem sabia mais do que ela. Seguiu ensinamentos e aprendeu a entender os sinais. Seus olhos já sabiam voltar para si e encontrar a direção.

Novamente avistava-se revolta, com a diferença de agora ter jangada forte e navegar longe de desatinos. Dessa vez ela reconhecia o definitivo. Era preciso equilíbrio para aceitar resignada a oferta amarga do destino.

Filha de guerreiro, não curvava a cabeça. Mesmo que lhe caíssem lágrimas, essas seriam choradas sabiamente. Correu ao colo de Iemanjá e pediu para ela afastar a loucura. Deixaria morrer parte de si em águas de mar calmo. Chegaria a hora de peixe bom.


Canção para Oxalá / Saudação para Iemanjá / Fabiana Cozza.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Sexta-feira

Dia guardado pelo senhor das águas e do equilíbrio. A chuva de Xangô e Inhasã lavou a madrugada que principiou ao fim da quinta-feira. Todo conflito do mundo desabou em seus ombros naquela manhã. Um pedido angustiado de ajuda sacudiu a sua força. Resolveu o melhor a fazer. Pensou com tamanha fé no velho Ifá, que ele mandou sinais. Quando voltou naquela tarde, não cantou como de costume para o seu caçador. Louvou a bela Oxum de primeiro, mas encontrou o acalanto perdido na paz do velho senhor. Era Oxalá, reinando absoluto na sua sexta-feira, até o céu desanuviou. A tarde morreu clara.



Canto para Oxalá, Rita Ribeiro.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Um presente delicado

"Tatinha

Só o fato de ter a sua amizade já faria eu me sentir um sujeito privilegiado.
Mas o seu coração generoso te impediu de parar por aí.
Você me apresentou a outras pessoas muito especiais na minha vida.
Tornou-se minha parceira em um projeto lindo.
Me deu motivos de enorme orgulho ao fazer de mim seu padrinho e compadre.
Me ofereceu uma oportunidade profissional.
E está contribuindo pra minha volta aos estudos.

No aniversário, a gente geralmente diz "parabéns".
Mas pra você eu tenho que dizer:
– Obrigado!"

John.


Ahimsa tocando The Cure a seu modo.

Esse foi um dos presentes mais bonitos que o destino, e não o ventre, me deu.
Meu querido e talentoso amigo Danico, o meu japa e da Lulu.

O presente de Balzac

"Nossa história acabou". Essa foi a frase que ficou ecoando na mente, depois que ele desligou o telefone. Ela, na véspera, sonhou com um dia de sol, criança, pipa e depois um domingo de praia com todo mundo. Acordou e, ao telefone, ouviu aquela frase.

As pernas amoleceram e o peito se apertou como se fosse a primeira vez, ainda não havia acostumado com isso. Insistia e mesmo quando tudo parecia pedra, ela ainda tinha um último filete de esperança e amor devotado.

Preferia não saber o que fazer, mas na sua racionalidade virginiana sabia bem o caminho. As palavras da boca, que tanto já humilharam como amaram, deixaram claro. Não havia mais como fingir-se feliz.


Preciso me Encontrar, Cartola

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Pedra

Os olhos se voltam para dentro de si. O desprezo quase educado da noite anterior. A rejeição grosseira, impaciente e direta pela manhã. O sonho sombrio que uniu as duas pontas. Demorou demais, mas ela definhava a esperança. O sublime virava pedra. O amor estava prestes a endurecer.


Acontece, Cartola

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Regresso

Ela não mais sabia sentir ciúme e sentiu. Um daqueles de outrora. Ele roeu os seus minutos devagarinho, só como os de amor podem fazer. Foi desnecessária. Pediu desculpas. Encheu o peito de alegria quando ouviu a velha voz, ao telefone no fim do dia, perguntando se ela ainda estava brava. Conseguiu enxergar o sorriso preso no canto da boca. Aquela expressão que sempre fora só dele. A confusão tomou conta da sua alma dali em diante.


Ela Partiu, Tim Maia

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Beirut

O vício começou lendo as linhas doentes do amor de Bentinho por Capitu. No mundo contemporâneo a velha história já havia ganhado muitas trilhas, mas aquela tocou a moça de tal maneira que não mais iniciava seus dias sem escutá-la. Punha-se na sua viagem interior. Ganhava a força e a fúria capaz de matar um elefante e ao mesmo tempo a delicadeza e a piedade que impedia. Olhava as manhãs. Pensava em Bentinho, pensava em Capitu, pensava em Escobar. Tinha a certeza que a vida é singular aos olhos de quem a conta. Não existe verdade. Cada coração, cada olhar, carrega a verdade que escolheu.
Aos seus olhos Capitu era devota e fiel à Bentinho, mas sua inquietude jamais seria capaz de amar Casmurro.


Elephant Gun, Beirut (legendado)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Loteria

Estava tudo errado, tudo errado. Essa era a frase que ela sempre repetia, desde o início, e que ele aprendeu com o tempo a usar. Ela tentou ir embora muitas vezes, mas a presença dele enchia de tal forma a sua vida, que seu coração não deixava.
Ele também, muitas vezes, concordara em partir. Estava tudo errado e o melhor era cada um para um lado. Mas sem ela, mesmo que ele quisesse negar, o seu coração era só metade. Veio uma prova de fogo. A chance de ouro para cada um tomar seu rumo. Ingenuidade adolescente, o destino não traça caminhos retos.
A saudade multiplicou a falta. A falta potencializou o amor. Não dava para negar. Estava tudo certo. Começaram, de verdade, acreditar que aquilo era loteria.


Melhor pra Nós, Reinaldo e Seu Jorge.

Donald

O coração se aperta ao saber-te distante.
A ausência certa faz com que a mente não descanse.
O telefone, como um cão de guarda, sempre alerta.
Uma saudade malvada, impregnando seu cheiro em todas as frestas do universo.

Ela não se sabia tão amante da sua presença, mesmo desmaterializada.
Não demore, sua falta apaga a Margarida a conta-gotas.
Todo sorriso da moça anseia por sua chama.


Só o tempo, Paulinho da Viola e Zizi Possi

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Dama da Noite

O moço era medroso, todo católico morria de medo de qualquer espírito que não fosse o santo. A moça de casa também era assim e iam, a família unida, à missa aos domingos. A moça da rua já era cabrocha faceira. Gostava de bar, cerveja e amor até de ponta cabeça. Como era toda boa, vivia de mini-saia e às vezes descuidava dos modos de sentar. Ele não se irritava, mas fingia que sim. No fundo se deliciava. Aguçava a sua imaginação e sempre, quando voltava pro lar, ia pensando em tudo aquilo que era só seu. Só que havia um detalhe, que ambos desconheciam. A moça da rua tinha problemas com esquinas.

Naquela tarde, beberam muitas até o desejo começar saltar aos olhos, mas quando isso aconteceu o tempo já havia findado. Ele tinha que partir. A moça ficou brava e falou, falou e falou. Esqueceu-se já de esconder a calcinha vermelha que ficava sob a saia. Resolveu pegar um cigarro e sair da mesa para fumar. Foi aí que fizeram a descoberta.

Na esquina, a moça fumava e tragava o cigarro com mestria. Nesse momento, mais mulher-dama do que nunca, disse desatinos que jamais teria coragem de dizer, mesmo nos momentos mais embiritados de sua vida. O moço a levou pro carro, insistiu em irem para casa, ela relutou. Deixou-a no bar seguinte e foi embora com o coração na mão, pensando que talvez algum malandro perspicaz desse a ela, naquela noite, o que ele não pode dar.

A moça, coitada, que de mulher-dama não tinha nada, a não ser as suas brasas, dormiu logo depois. No dia seguinte não se lembrava dos ditos. Como haviam testemunhas, ela acabou acreditando. Refletiu e concluiu. “Moça faceira, ébria, fumando em esquina, é tudo o que as damas do além precisam para se saciar”.
Depois dessa, nunca mais fumou em esquinas, nem nas mais inocentes.


Boto meu povo na rua, Martinalia

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Gaviões

Talvez peregrinos rumo à Meca.
Esses vão de preto e branco, rumo ao seu próximo horizonte.

17/04/09.


Garra Corinthiana, Branca di Neve.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Providência

O pai acabara de morrer. A sábia velha/jovem mãe reuniu os seis e, com o misto de carinho e dureza que a situação imprimia, disse-lhes: “Agora vocês são os homens da casa. Nós vamos ficar juntos, unir tudo o que temos, e caminhar”. Assim passaram os primeiros tempos de luto.

Pensamentos pesavam, na mesma intensidade que os potes minguavam ao longo dos dias. Ao fim da primeira semana, a filha mais velha dirigiu-se a mãe. Com sua voz ainda infantil disse: “Mamãe fiz o último prato hoje. Não temos para amanhã”. A negra altiva não desesperou na frente da filha. Disse-lhe que tudo ficaria bem. Não dormiu. O dia amanheceu num sábado de sol. Logo pela manhã, uma visita inesperada. Todo mundo correu para ver o carro que encostou. Os três jovens, com o semblante mais inocente do mundo, vinham felizes ver a tia.

Nêgo, o sobrinho mais velho e filho da sua “dinha”, como carinhosamente chamava a madrinha, abriu seu sorriso largo e disse: “Tia, passei no mercado trouxe umas coisas”. A cesta era grande e afastou o desespero que espreitava. Um dia aquela tia lhe comprara um caderno, com a mesma inocência, quando ele, menino, já não mais tinha como estudar.


Rancho da Goiabada, de João Bosco e Aldir Blanc cantado por Elis Regina.

Perfume

Sentiu um perfume conhecido. A lembrança.
Ele era miúdo e imponente, muito diferente dos outros. Não chamava atenção pela beleza, mas a mistura de charme, inteligência e cheiro bom davam a liga necessária.

A primeira vez que o viu, recebeu um gracejo desinteressado. Na segunda, a bebida deu coragem para o bailado. A dança de estreia, o encaixe perfeito. Na saída, o cortejo. Uma mensagem. Um telefonema. Um almoço. Uma tarde. Vidros embaçados no batizado do carro novo. Flores, que brotavam somente uma vez ao ano, para comemorar o encontro.

Um enterro onde foi preciso manter a distância. O olhar aflito, no momento mais dolorido, selou o abraço da cumplicidade.
As flores do vaso nunca mais desabrocharam.


Cabide, Martinália.

05/08/2009

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Palavra

Findado Graciliano.
Sobre a alma pesa a força da palavra seca.


Vida de Vaqueiro, Gilberto Gil e Dominguinhos.
11/08/09

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Falta

Às vezes surge à falta.
Vem em momentos estranhos, insones.
Momentos de inveja de um vago semblante.
Momentos de inveja do ar que te rodeia.
Não é amor, só saudade da companhia.

Tatiane Marchesan
27/10/2000


Pois é, Elis Regina e Chico Buarque.

Nota

Algo estremeceu. Não sei dizer bem o que.
O misto de aflição e apatia, dão a nota da espera.
Gostando de jogo, tudo seria mais fácil, de Coca-Cola também.
A essa altura, já desconfio da sua presença.
Esperarei. Sinto que estou a perder-me.

Em alguma noite do mês de abril de 2004, num ônibus rumo a Paulista enquanto já desistia.
01/10/2004
Tati Marchesan


Nada Por Mim, Kid Abelha.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A cantora

O olhar devotado.
O sorriso preso na cumplicidade.
O amor sofrido. A loucura retribuída.
A alma atormentada. A intensidade. A tranqüilidade. O equilíbrio.
O bailando da eternidade.
A marca, como tatuagem.


Tatuagem, Elis Regina

Ela

Saiu pro mundo se achando prosa. Sabe como é? “Um belo dia resolvi mudar”, sentia-se assim. Caminhou e trombou num velho poste. Parou. Deu uma mijadinha. Esperou o retorno e nada veio. Fingiu não ligar. Avistou um novo poste. Deu outra mijadinha. Esperou uma conquista e nem faísca.

Alguém a avistou e deu uma mijadinha. Sentiu-se importante. No dia seguinte o poste estava meio cinza. Ela se viu refletida. Quis fugir de si. Uma penumbra. Tentou afastar as nuvens carregadas. Elegeu outra faixa do disco. Tristemente se reconheceu.
Com inércia voltou ao seu trabalho.

Tatiane Marchesan
29/01/2004


Não vale a pena, Maria Rita.

Memória

“A memória é uma ilha de edição” a voz de Wally Salomão dizia. Só frase de vitrola, mas a fez pensar. Será que é possível editar a vida? Talvez de mentirinha.
Olhou ao redor de sua alma. Sentiu-se forte.
O todo só é pleno com seus fragmentos.

18/07/2009


Tudo que você podia ser, Milton Nascimento.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Solidão em par

As coisas já não iam bem há tempos. Ela sabia disso. Ele também. A esperança de que tudo se ajeitasse, fazia com que empurrassem os dias com a barriga, como se pudessem se contentar com pouco. As brasas de vida eram latentes nos dois. As faíscas ainda acendiam quando sentiam o cheiro da pele do outro. Assim foram indo, esperando o destino. Certa hora, as brasas amornaram. Ela a cada dia se fazia mais bonita, esperando que tudo voltasse. Na rua todos a percebiam. Na sua cama, tudo era sono, só sono.

Naquela noite foi diferente. Depois da produção ela se deitou, como sempre, aflita por atenção. Reparou no marido ao lado, que, ignorando quem sempre fora o seu melhor par, preferia o prazer solitário. Ela virou-se, fingiu não perceber. Passou a noite em claro, enquanto todos dormiram. Quando acordou, arrumou suas coisas. Era o fim.


Ponto de Interrogação, Grito de Alerta, Explode Coração e mais, Gonzaguinha

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Bonito

É Bonito
Sussurra.
É bonito sussurrar.
Sussurro ti amo.

04/12/02


Eu preciso dizer que te amo, Cazuza Filme.

Dois empregos

Ele tinha dois empregos. Quem diria?
Aos seus olhos ele ainda era o mesmo adolescente esprivitado. O primeiro do bairro a lhes desejar boas-vindas, quando elas se mudaram para o lugar. Aquele que invadiu a festa de aniversário da sua irmã caçula, com o bandeirão do Corinthians, só para fazê-la feliz.

Aonde ele chegava ganhava a simpatia de todos. Na rua, mais parecia vereador, de tanto cumprimento. Hoje já era homem feito, marido de moça de família e pai de dois. A surpresa veio confessa no seu rosto baixo e desconcertado, com o dia clareando a beira do quintal bagunçado, que confirmava festa boa.

Ela, a mais velha e observadora, percebeu que a noite havia sido diferente do habitual. O ar pesava demais, coisa que nunca fora comum. Por fim, na vergonha do rosto de menino, ela decifrou a mensagem que seu coração lhe deu a noite inteira. Os olhos dele marejaram e a boca balbuciou, antes dos detalhes, “você já viu meu carro?”. Naquele instante ela entendeu tudo e sofreu. Escutou calada e só conseguiu dizer: “Aqui você é o amigo de sempre. Se cuida, porque eu não quero notícia ruim”. Deu um abraço forte e, sem sorrisos, fechou o portão.


Numa Cidade Muito Longe Daqui, Leandro Sapucahy e Marcelo D2

O Jardim

O jardim sorri.
Você sorri desajeitado.
A vida numa carta de amor.
Traz o mundo, mas não vem.
Eu e você no que é sublime.
Eu e você num sonho bom.

Tati Marchesan
Noite de 24/06/2005.


Peito Vazio, Cartola

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Um

A fantasia era só dela.
Só ela não sabia.

23/06/2009.


Trajetória, Maria Rita

Poeira

O cheiro era o da saudade. Visitou o lugar como se voltasse para casa. Dialogou com a mente, como se ele estivesse presente. Olhou para as coisas com seu velho olhar másculo, minucioso e crítico. Tornou a olhá-las com seu próprio olhar feminino e infantil. Misturou tudo na sua memória. Foi para o bar de sempre. Passou horas bebendo e dialogando com seu imaginário. Viveu o tempo como uma viúva resignada.

31/07/2009.


Suburbano Coração, Chico Buarque.

Era

Era um homem tão grande, como a balburdia do meu coração.
De mistério, como o sem fim do meu coração.

Durante a aula de direito administrativo
07/05/2007


Cais, Milton Nascimento cantado por Elis Regina.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Companheiros

A criança ia sempre no colo do jovem pai. Tão jovem de aparência, que parecia um segundo menino. Os dois usavam tênis e chapéus semelhantes e tinham uma cumplicidade que transcendia os olhos. O afago no rosto, o carinho involuntário.
O pequeno subia pelas escadas nos ombros do maior e ambos largavam um riso frouxo.
A vida tinha certeza que ali iam felizes companheiros.

31/07/2009.


O mundo é bão, Sebastião, Nando Reis e os Infernais.

Copo Americano

Todo mundo sentado calorosamente à mesa do bar. A cerveja favorita, que o garçom já traz por inércia. O número certo de tulipas ou outro copo longo qualquer. Uma pausa. Uma voz pede um copo americano e lhe entrega. Ganha um sorriso espontâneo que diz, em silêncio, "você sabe coisas de mim".


All Star, Nando Reis.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Amor Fugas

Foi instintivo.
No dia seguinte já não sentia o cheiro.

01/06/2009


Uma Tigressa, Marina de La Riva

Cuca

Cuca é um pão característico.
“Cuca, você me deixa assim...”
Era ele extasiado depois do amor de um país.


Tu me Acostrumbraste, Marina de La Riva

Metrô

Têm dias que o metrô de São Paulo nos oferece belos presentes.
Um rosto talhado com perfeição.
O dele era assim.

Metrô Paraíso, manhã de 01 de julho de 2009.



Ruas que Sonhei, Paulinho da Viola

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Velho menino rabugento

Ele tem sorriso tímido e ares distantes. Olhos que não encaram e se escondem nos óculos. Aquele ar blasé, que cerca os artistas. Uma carranca que às vezes, quando escapa o feliz, parece ensaiada.
Rabugento, é especialista em afugentar os bobos.
Refinado, consegue aproximar as almas delicadas.
Sempre foi muito difícil chegar perto, mas a moça gosta de mistério, e o dele, ela não tinha como negar, era encantador.


Bayati, Orquestra Popular de Câmara.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Domingo

“Asas vadias sobrevoando a tardinha”. Era assim o pensamento depois de um dia angustiante. Enquanto ele ironizava suas letras, com as mãos ensaboadas da louça do almoço, ela desistia de ficar brava. Riu das diferenças.

O Corinthians jogava na tv da sala. Ela, frente a sua tela nua, sentia o cheiro da chuva que caia. Olhou para os cds e deixou o Chico cantar. Pensou se um dia a alma daquele homem fora presa. Não chegou à resposta. Teve apenas a certeza que ela já fora angustiada. Lembrou-se de um de seus próprios textos. Notou que a pena sempre lhe foi cara em momentos insones, em instantes de treva. Hoje não era um desses. Era uma simples tarde chuvosa. Vazia e bonita, como em todos os dias de chuva clara.

O piano de “A ostra e o Vento” inundou sua alma. Teve a certeza de que seria eternamente melancólica e livre. “Deixe-me caminhar ao vento”. Graciosamente gris, serenamente livre “carregando o vento”.

20/03/05



A Ostra e o Vento, Chico Buarque.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Narizinho

As duas adormeciam sempre abraçadas. Esfregavam levemente o nariz um no outro até o sono chegar. A pequena não gostava de cobertor. Por isso, mesmo em dias quentes, era obrigada a dormir vestida. Preocupações da jovem/velha mãe. Depois que o sono se instalava plenamente na cama grande, cada uma virava para o seu lado.

No leve breu, depois que os braçinhos já haviam descansado, a voz infantil disse: “Mamãe, quero deitar desse lado”. A mãe virou-se para ela, abraçou-a, beijou-lhe a testa e fez narizinho. “Te amo, meu amor. Mamãe está aqui”, disse baixinho. Ela, com os olhinhos fechados, só acenou um “sim” com a cabeça. Naquela noite permaneceram abraçadas até o amanhecer.


Luísa, Chico Buarque e Francis Hime.

Metade

Metade. Sempre metade.
Nunca cheia. Nunca vazia.
Nunca totalmente feliz. Nunca totalmente triste.
Assim era a vida a seus olhos realistas. Há tempos desistiu de buscar o todo. Fartava-se de vida, aproveitando o saldo positivo. Treinava o espírito a olhar sempre para a metade cheia. Levava seu sorriso embebido no líquido que brindava o bom.
Aprendeu a sempre sorrir, no instante em que seu coração conheceu a dor.


Copo Vazio, Chico Buarque.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Telefonema

Esse sempre foi o seu sonho, desde o instante em que viu aqueles olhos pela primeira vez. Uma sensação estranha que há muito não sentia. Uma meninice e inocência que a vida já havia levado junto aos dias difíceis. Naquela tarde muita coisa renasceu. Descobriu semanas depois que era tudo faz-de-conta. Olhou para realidade. Olhou para o seu coração. Não tinha mais como fugir. Correu o risco. Aprendeu a ser feliz em pequenos instantes.

Naquela noite a campainha tocou, sem aviso prévio. Era ele. O olhar estava perdido. O semblante triste. O vermelho do rosto mostrava que havia chorado. Ele não precisou dizer nada. Ela lhe abraçou e disse: “Estou aqui”. Entrou e vestiu o casaco, enquanto ele fumava quieto no carro. Rumaram para o lugar de sempre. Beberam em silêncio. Ele chorou. Ela sabia como seria difícil. Segurou sua mão.

Passaram, pela primeira vez, a noite juntos. Não fizeram amor. Ela velou seu sono e acarinhou seus cabelos até ele conseguir dormir. Percebeu que, mesmo involuntariamente, seus corpos tinham o encaixe feito para dormir a eternidade de conchinha. Acordaram e tomaram café juntos na padaria. Compraram o jornal de imóveis. Desfizeram a mala no hotel barato. Pegaram o carro. Foram ver o mar. A brisa soprou.

O sonho foi ganhando algumas cores de leve. Seria preciso uma casa com três quartos e quintal. Ele, sem acreditar nos planos de outrora, perguntou: “Uma parede para rabiscos, histórias em quadrinhos e a tabela do campeonato?”. Ela sorriu. Duas cervejas. O telefone tocou. Ele atendeu e seu coração gelou. Tentou se conter. Não sorriu de imediato, mas o brilho nos seus olhos denunciou. Do outro lado a voz conhecida dizia: “Volta pra casa. Estamos te esperando”. Ele não precisou dizer nada. Voltaram para cidade quase mudos. Algumas lágrimas dela. Na porta de casa, um abraço. “Desculpe-me”, foi a única coisa que ele conseguiu dizer. Naquela noite, ela saiu pra dançar.


Olha, Chico Buarque e Erasmo Carlos.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Espera

Sente que não.
Grito que sim.
Enlouquece. Disfarça. Descansa. Reflete. Consome-se.
Estou a te esperar.

13/02/04


Concrete Jungle, CéU

Sedutor

Um sedutor, com gosto de chocolate ou bolo de nozes.
Sorriso largo, daqueles que preenchem o mundo.
Um sedutor, de perfume doce e debochado a acalentar a noite.

15/01/07


Malemolência, CéU

Pra você

O escuro dos teus olhos, o breu do seu coração, instigam-me a te desvendar.
O meu mistério favorito. Um bom motivo pro amanhecer.
Tudo poderia ser simples, meu mistério.

Hoje, 25/10/02.


Sambajapa, Curumim

Prenúncio

Tempos olhando. Um filme na mente antes do encontro. Para ele, ela soava apenas como um poste risonho, de tão tímida que ficava na sua presença. Para ela, ele sempre fora distante, misterioso, apesar do riso fácil, e fascinante demais.
Seu prato preferido. A especialidade dela.
Sua bebida corriqueira. A que ela se dispunha a beber.
Seu momento preferido. O que ele não cansava de olhar.
Voltou sorrindo naquela noite.

Tati Marchesan
18/03/04


O Homem da Gravata Florida, Nação Zumbi.

Calafrios Adolescentes

- Ei... Quer tremores?
- O que?
- Calafrios adolescentes.
- Como assim?
- Os calafrios que meu crioulo não pode notar.
- Você tá maluca?
- Pode ser, mas não importa. Quer calafrios?
- Não posso.
- Pode sim.
- ...
- Preciso dispensá-los, antes que ele os note. Antes que eles o façam correr.
- Ele não tem calafrios?
- Não sei, mas sei que não são os meus. Leva isso de mim. Eles já me saltam pelos olhos. Pelos poros.
- Isso não é bom?
- Poderia ser, mas não é. Não vai querer?
- Não posso... Não consigo mais.
- Acho que ele também não. Vou ao bar tentar trocá-los por uma dose qualquer.
- Pobre moça louca.

Tati Marchesan
01/04/04



Por que é Proibido Pisar na Grama, Jorge Ben

Libido

Ela já ficava desconcertada. Apesar de discreto, o olhar dele era certeiro. Beirava a indecência. Acompanhada do amigo, não sabia mais onde esconder-se. Depois da terceira dose, já não tinha mais certeza se queria fugir. A situação parecia instigar mais o olhar libidinoso. Sem saber para onde mirar, resolveu ir ao banheiro. Sentiu-se acompanhada. Sem pedir permissão, ele logo a pegou firme pela cintura. Uma dança disfarçada no meio da multidão. Não disseram nada, mas o ar pesava. As pernas ficaram moles. Antes que ela corresse para o banheiro, por inúmeros motivos, ele lhe falou ao ouvido: “Te espero. Dá um jeito”. Ela não respondeu.

Voltou rapidamente para seu par, que esperava pacientemente na mesa. Sem falar muito, deu-lhe um beijo de mulher-dama. Foram embora. Ele teve a sua melhor noite. Pobre homem, mal sabe que toda volúpia foi dedicada ao intenso desconhecido.


Logo Agora, Jorge Aragão e Emílio Santiago.

Algo pra ti

Pensei em algo pra ti.
Não consigo escrever algo pra ti.
Simplesmente, porque, o que eu sinto é sublime demais.
Acredite. É tudo por ti.

Tati Marchesan
09/09/04
No trabalho as 19h00 horas lembrando do seu sorriso. Ainda sou capaz de sentir suas mãos nos meus ombros.


Encontro das Águas, Jorge Aragão e Jorge Vercilo

quinta-feira, 23 de julho de 2009

A moça dos olhos

Ela estava louca para casar. Sentia-se pronta. Tinindo. No começo achava que isso era fruto da sua criação conservadora, mesmo sendo ela uma artista de espírito livre e vida moderna. Depois passou a observar-se melhor. Fez análise. Encanou que tudo isso era a crise dos 30 anos, aquela que, toda mulher solteira, em algum momento, sabia que enfrentaria. Por fim, começou a notar que estava mesmo era cansada da solidão. Queria cantar em dueto. Queria um par para dividir.

Bonita que só vendo, não era difícil encontrar companhia, mas sua ansiedade parecia transparecer. Os romances não passavam do segundo encontro. Em meio à desilusão, que lentamente apagava o seu brilho, chegou a pensar em aceitar qualquer pretendente disposto a lhe preencheria o vazio. Tudo isso até ligar o computador naquela tarde. Ao olhar para tela, reconheceu que não havia espaço. Todo seu peito era cheio de um amor gigante que sempre teve endereço. Leu, sem acreditar. “Quer casar comigo?” ele dizia.

Morreu e reviveu feliz naquele segundo. Os olhos grandes voltaram a brilhar depois daquele instante.


Os Outros, Kid Abelha

terça-feira, 21 de julho de 2009

Amor de Orum

A casa era desconhecida, mas o sentimento era de paz. Como se entrasse em um lar que fora sempre seu. O silêncio parecia ter esperado por ela uma eternidade. O espaço que espontaneamente ocupou, sentada no chão frente à janela que dava para rua, tinham o seu tamanho exato. Passou horas a olhar o sol se pôr. A noite cair. Percebeu a delicadeza do pássaro gordo, que todas as manhãs pousava na árvore robusta que fazia sombra a frente da calçada. Era o gordão, carinhosamente apelidado por eles.

Nas manhãs de domingo, iam comprar ramos de eucalipto e flores para as moças da casa. Oxum e Yemanjá abençoavam o lar do velho menino. Orumilá reinava absoluto no branco das sextas. Omolu limpava o espírito às quartas. E o lugar tinha sempre o cheiro bom das ervas.

A varanda era o espaço das plantas e todas tinham um “dono”. Ela aprendia todos os dias com ele. Ele aprendia a leveza de um sorriso com ela. Passeavam de mãos dadas por ruas, simplesmente, olhando a delicadeza da natureza e a benção dos Orixás, como a rosa sem espinhos que ele roubou para lhe presentear.

Dormiam nus e agarrados. Aos domingos, ou nos dias que sentiam vontade, faziam passeios à livraria. Ele falava sobre os livros e os filmes da sua vida. Depois um cinema e as intermináveis conversas regadas a algumas garrafas.

A gentileza de docinhos, quando ia encontrá-la depois do trabalho. A felicidade de voltar juntos para casa. Preparar o jantar. Ouvir um bolero. Dançar na sala, com a janela aberta. Fazer amor. Ele sempre acordando primeiro. Um beijo para despertá-la devagar, respeitando o tempo da sua preguiça. Preparar seu chá amargo, que tomava em jejum, enquanto assistia o jornal da manhã.

Ela levantava para vê-lo sair. Ia para o banho demorado. Ensaboava-se, ouvindo os discos do seu homem. Saia com uma cópia da chave e rumava para o trabalho, sentindo o ar bom da manhã. A vida era simples e tão em paz, no coração dos dois, que parecia ser sonho. Depois da primeira separação, um reencontro. Uma chuva caiu repentinamente em meio a tarde de sol ameno. Ele, com a beleza da sua sabedoria de velho Ifá, lhe disse: “É Oxum, usando as suas artimanhas para selar o amor”.


Oxum, Maria Bethania.

Meio cheio

Preferia olhar a vida sempre como um copo meio cheio, nunca meio vazio. Em dias de briga, ela simplesmente se escondia e esperava tudo acalmar. Voltava de mansinho e fingia que nada havia acontecido. Os tempos foram tão difíceis, que o que restava de alegria eram os seus próprios olhos. Aqueles mesmos espertos meninos, cheios de sono e brilho, que acordavam a mãe aos fins de semana. Velhos companheiros da boca que, em riso inocente, gritava: “Corre mamãe, vem ver! Um dia lindo!” enquanto o sol brilhava no quintal.


Menina Amanhã de Manhã, Mônica Salmaso.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Duas

Espreguiçava-se como uma gata. Levava a noite também como uma gata mambembe. A noite anterior fora longa. Várias doses. Dança paga. Amor pago. No caminho noturno que escolheu, a manha felina era fundamental e diferencial. Banho de lambida...
Levantou-se direto pro chuveiro. Já era dia. Nova máscara. Nova roupa. Nova vida. Pegou seus livros e foi para aula.


Samba e Amor, Marisa Monte

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O Homem. O menino.

Ele era peça rara. Despertava paixão e ódio. Uma daquelas pessoas que são sempre vermelho, nunca bege. Bom de briga, não fugia. Mas depois de certa idade já não procurava, o que era um sinal do tempo. Sua cabeça era sempre cheia de sonhos, mas nem mesmo ele sabia disso. Achava que era molecagem. Adorava a escola por conta dos amigos e em especial das “amigas”. De tão inteligente, se fingia de burro. Sua curiosidade aguçada era a maior prova do seu talento pra qualquer coisa que quisesse de verdade fazer. Ia pro samba, mas nasceu de pé torto. Um dia tentou dançar e derrubou a dama no salão. A única coisa que ganhou foi um tapa na cara e a risada dos amigos. Gostava mesmo das músicas que transitavam entre o rock e o rap, mas pra ficar com a galera encarava a batucada. As vezes ficava sozinho na varanda da casa. Enquanto todo mundo dormia ele ainda tentava descobrir o que havia sobrado do seu céu inquieto de menino.


O que sobrou do céu, O Rappa

Instinto

Bocas,
línguas,
dentes,
pêlos.
Cabelos a misturar num suor de êxtase.

Tatiane Marchesan
17/10/2000


Vem Menina, Curumim

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Atitude

A nega era prosa. Sabe mulherão que tem consciência que é gostosa? Pois é, ela era dessas. Nem precisava alguém dizer, até porque ela fingia que não percebia que era tudo isso. Chegava fingindo ignorar os olhares que despertava. Soltava seu riso fácil e espalhava simpatia pra todos que chegavam perto, mas de longe, sorrateira, filmava tudo.

Encontrou o negrinho do canto. Cara de bobo. Bonzinho que só vendo. Todos os malandros e valentes do samba arrastando o bonde por ela, e o negrinho de óculos tomando sua cerveja discreta no balcão. Nem de longe ele imaginou aquela preta na sua. Enquanto isso, ela já tinha seguido a rota nos seus pensamentos.

Pediu uma cerveja ao seu lado no bar. Com uma mistura inocência e indecência encheu o copo do pretinho, que admirou a sua ousadia. Tomou um gole no mesmo copo do preto e disse no pé do seu ouvido, aproveitando pra sentir o cheiro da sua pele, “isso é pra descobrir o seu gosto”. Deu um sorriso e saiu.

Foi para perto da roda e sambou. Ele sabia que era pra ele. A noite acabou bem. Os dias também. O pretinho com cara de otário fez da preta sua primeira-dama. Mostrou pro samba inteiro a malandragem de entender os sinais do amor. Depois daquela tarde, ela nunca mais bebeu em outro copo que não fosse o do seu homem. Toda bebida do mundo, para eles, agora tinha o gosto bom dos dois.


Xequeré, Quintento em Branco e Preto

O Casal

Só ele sabia o quanto ela era brava, mas só ela sabia o quanto ele tinha o coração bom. Cada final de discussão a mesma liturgia. Algumas mensagens e depois a ligação derradeira, com os dois pedindo desculpas, admitindo que tinham exagerado. Ele soltando aquele sorrisinho de canto de boca, ainda marrudo, mas que ela já reconhecia como o código que afirmava quando estava tudo bem.
Quando iam pra roda de samba, ele sempre fazia propaganda dos dotes de cantora da mulher. Ela, tímida, cedia aos pedidos, sentava e ali se fartava de cantar. Esquecia da hora de ir embora. Distribuía sorrisos e simpatia. Ele, por sua vez, fica todo orgulhoso no começo, mas ao final já estava todo bravo. Tomado de ciúme, repetia que ela não tinha limite. “Você é foda” essa era sempre a sua frase no fim da noite. Ela dava risada da sua braveza.
Esse era o jeito deles. Essa era a felicidade plena construída dos momentos em que o prazer era um só.


O Samba é Meu Dom, Fabiana Cozza

08/07/09

terça-feira, 30 de junho de 2009

Seu

As vezes sinto que sou meio doido. Ontem, enquanto esperava por você, me perguntava por que havia vindo de tão longe. Pegado tanto trânsito. Esperando por horas na mesa de um bar sozinho. Logo eu!
Tentava, mas não chegava à resposta alguma. Até você chegar e dar o primeiro sorriso. Naquele instante, eu percebi porque havia feito tudo aquilo.


Carinhoso, Pixinguinha

Emagreceu. Amarelou. Enegreceu

Se dispôs a emagrecer. Emagrecer. Emagrecer, amarelo. Emagrecer, cadavérico.
Tudo culpa daquele show. Ela saiu obstinada. Emagrecer. Emagrecer...
Imaginou imensas saias. Cabelos curtos, talvez azuis como os da menina ao lado, e piercings, como os da do outro lado. Haviam lá também gordinhas saudáveis, simpáticas, com longas madeixas e abertos sorrisos. Mas ela não! Ela seria magra. Com olheiras fundas. Semblante distante e cheiro... Não! Cheiro, não haveria. Agora ela sentia cheiro de amendoim. Amendoim cheira bem. Ela decidiu. Cheiraria amendoim! Nada convencional, uma morta-viva com cheiro de amendoim.
Dormiu sem comer. Acordou sem comer. Assim seguiu. Suas olheiras se tornaram permanentes. Anorexia detectaram. Ela queria pular de alegria. Enfim era magra. Não conseguiu.
O cheiro de amendoim. Somente nas suas narinas. “Eu. Queria tanto encontrar. Uma pessoa como eu. Pra quem eu possa confessar. Alguma coisa sobre mim.”, cantarolava freneticamente na sua cabeça. A boca já não balbuciava mais...
Amarelou. Enegreceu. Virou pó, cantando Eu.

Metrô Trianon-Masp, 03 de dezembro de 2002, após um show do Pato Fu.


Eu, Pato Fu

Meu Dia Bom

Como senti saudades de você, meu amor.
Do afago do seu riso.
Da ternura do nosso silêncio.
Amo o que é nosso.
Amo nossa vida.
Amo até a nossa nevasca, pois sei que a bonança trazida pelo bom tempo é a cada segundo melhor.

05/04/2005 ao fim de um dia bom.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Espelho

Foi daquele jeito. Sem destino. Sexta-feira fria, mas só na medida. A cerveja do primeiro boteco, ela se lembra bem. A última, já não faz a melhor idéia. Bebida e papo interessante.
Você sabia que o Brasil foi formado por bandidos de Portugal? Uma das meninas levou um susto quando descobriu. O PCC nasceu em Taubaté e o CV na Ilha Grande, outros dois explicaram. O filme Dois Irmãos é bom e conta essa história, alguém acrescentou. Caco Barcelos arrebentou em o Abusado. As Prendas do Rio Grande do Sul têm um código de comportamento todo diferente dentro do CTG e por aí foi... O papo do primeiro bar se encerrou, com ela ainda sóbria e rindo de como os homens ficam mais lindos barbados.

Saíram na caminhada. Ônibus. Teatro na Praça Roosevelt. Era pra ser. Já tinham perdido o primeiro espetáculo. Esperaram o segundo. Mais cerveja e um caldinho pra rebater. Peça chatinha, meio viagem demais. Um café para acordar. Sobe a Augusta. Uma moça, labutando, negocia o preço. Quarenta reis e ainda dá uma reboladinha pros passantes. Ela já solta indignada: “Eu não daria por R$ 40,00, nem ferrando! Muito barato!”.

A noite já se estendia. Duas da madrugada. O último boteco, que já não era boteco, era baladinha. Cerveja boa, gelada, a preço honestíssimo. Gente interessante e divertida. Show bacana e pista boa. Era o que precisava. Ela não se lembra da última cerveja e nem sabe bem como conseguiu chegar em casa. A filha dormia o sono dos anjos. A mãe, ao ver que estava tudo bem, riu da sua embriaguez.
O ar da madrugada e a liberdade de ser andarilho lhe colocaram frente ao seu espelho. Adorou o que viu. Reconheceu-se feliz.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

S K O L

A Erikah cantava.
O breu e o amarelo se misturavam na nossa órbita.
Eu.
Você.
Distantes.
Um silêncio.
Cai o mundo.
Lábios amedrontados, ansiosos, provocam a erupção.
Lava quente a passear pelas veias.
Certezas embriagadas assolam a mente.
Dormimos.
A Erikah não parou de cantar.
Só você sabe como acalmar.




21/03/04

O Lobisomem Morreu!

Eu me lembro claramente. Devia ter uns 7 anos. Todo mundo se arrumou para ir visitar os meus padrinhos. Isso não era corriqueiro. Eu só os via no meu aniversário e olhe lá.
Chegamos, meu pai foi com o padrinho conversar em algum lugar. Ficamos na sala eu, minha mãe e a madrinha. Estava passando o Fantástico e não sei se era um comentário ou o clipe da música. Só sei que de repente desce um dos filhos dela e começa fazer uma dança alucinada. Eu morrendo de medo assisti pela primeira vez o clip de Thriller do Michael Jackson. De quebra, ainda ganhei um dos meus presentes mais estranhos também, o boneco do Fofão. Até hoje não sei bem se ele era um urso ou um cachorro.

Ainda acho que o dança menino, que já não me lembro o nome, e o seu cabelo super anos 80 a coisa mais divertida do mundo.



O clip original está em
http://www.youtube.com/watch?v=AtyJbIOZjS8&hl=pt-BR

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Desabafo

Em momentos insones, o silêncio pode ser desabafo.
A balada pode ser acalanto.
A dança o melhor jeito de deglutir.
Antropofagia da dor.



Desabafo, Marcelo D2

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Lugar

- Olá.
- Olá. – ela disse sorrindo.
Calaram-se.
O ar pesava de amor. De medo. De remorso. De tristeza. Amaram-se de um jeito que não acreditavam mais poder. O amor era como uma chibata cortando a convenção em pedacinhos. Era ele gargalhando alto da tranqüilidade.
O desejo zombou de tudo. O prazer trouxe a vida de volta.
Pararam exaustos. Extasiados. Molinhos de amor.
Morreram na despedida. Renderam-se a sensatez.



10/04/09

Andrea Doria

Composição: Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá

As vezes parecia, que de tanto acreditar, em tudo que achavamos tão certo.
Teríamos o mundo inteiro e até um pouco mais.
Faríamos floresta do deserto e diamantes de pedaços de vidro.

Mas percebo agora, que o teu sorriso vem diferente.
Quase parecendo te ferir.

Não queria te ver assim.
Quero a tua força como era antes.
O que tens é só teu e de nada vale fugir.
E não sentir mais nada.

As vezes parecia, que era só improvisar.
E o mundo então seria um livro aberto.

Até chegar o dia em que tentamos ter demais.
Vendendo fácil, o que não tinha preço.

Eu sei é tudo sem sentido.
Quero ter alguém com quem conversar.
Alguém que depois não use o que eu disse contra mim.

Nada mais vai me ferir
É que eu já me acostumei com a estrada errada que eu segui.
E com a minha própria lei.

Tenho o que ficou.
E tenho sorte até demais
Como sei que tens também.



Cenas do filme "O Segredo de Beethoven".

Nesse dia, esses meninos dos anos 80 sabem tudo de mim.
...

sábado, 20 de junho de 2009

Gira

- Tem certeza?
- Tenho. É melhor.
- Você aprontou, né?
- Não... Só preciso de ar. Preciso do mundo. Preciso de vida.
- Então por que chora?
- Porque te amo.
- Devia estar te odiando, mas não consigo. Você é minha menina.
Ela sorri.
- Sempre vai ser...
- A menina da empada?
- Sim a do duende das meias.
Os dois sorriem.
- Acho que devemos ir, né?
- Talvez
- Adeus?
- Adeus é para sempre?
- Acho que sim...
- Tchau, pois o mundo gira.
- Tchau
Partiram os dois.Cada um para sua estação de metrô.



Na Volta que o Mundo Dá, Mônica Salmaso.

24/06/2005

Dentro

Seu olhar,
faz sobe-desce.
Sua boca,
ainda não sei.



07/05/2007

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Efeito do Martini

- Casar?
- É casar! Por quê?
- Você nunca quis casar!
- Mas agora eu tô a fim. Você não quer?
- Quero... Mas você me pegou de surpresa.
- Tudo bem... Esquece... Eu já entendi.

Saiu. Resolveu parar num bar e escutar música. Arrependeu-se de ter falado aquilo. Bebeu o primeiro drink. Só parou na sexta dose. Acabou a noite dançando com um desconhecido. Quase aceitou a carona que ele lhe ofereceu, mas preferiu ir sozinha. Fez sinal para um taxi, ainda sob os efeitos do Martini. Deu o endereço da casa de seu namorado. Subiu as escadas, imaginando como ficariam quando estivessem com uns 70 anos. Dois velhos, ranzinzas, mas que ainda roçavam os pés na hora de dormir.

Destrancou a porta. Queria causar surpresa. Entrou. Ele estava ali, dormindo. Havia uma mulher ao seu lado. Deixou um vaso cair propositalmente. Eles acordaram. Olhou-o cheia de lágrimas. Ele se levantou sem falar nada. Pegou-lhe pela mão. Abraçou-lhe. A desconhecida foi embora muda.

Os dois, meio sem entender, deitaram e adormeceram roçando os pés. No mês seguinte se casaram. Ambos preferem acreditar que aquela noite não passou de alucinação. Efeito do Martini



Último Romance da banda Los Hermanos em cenas do filme Elza e Fred, um Amor de Paixão, do diretor argentino Marcos Carnevale.


23/10/2001

terça-feira, 16 de junho de 2009

Desejo

As palavras viram mero adorno quando a química acontece...



Observando as diferenças.
São Paulo, 02 de abril de 2009.

Dilema de amor

Morro um pouco quando você se vai.
Revivo a eternidade quando vejo seu retorno.



Uma versão de Los Hermanos para o Fabuloso Destino de Amelie Poulain.

Pensando na espera.

Metrô Trianon

E era assim que ele estava.
Óculos escuros, terno claro, gravata cor de rosa e um cachorrinho de pelúcia no colo.
Triste, triste... Contido e colorido como o cinza do seu subterrâneo.



Para o clássico homem sentado na estação.
São Paulo, 1 de abril 2009.

Ingênuo, verdadeiro e natural. Como a história.

- Deu tudo certo?
- Sim, deu tudo certo. Fiquei pensando muito no que você me disse sobre o lance do cheiro. Fumei dois cigarros até chegar em casa. Mas fiquei encanado. Ainda bem que ela não percebeu.
- Sorte sua.
- Pois é... Não dormi nada essa noite. O pequeno ainda estava acordado. Coloquei pra dormir e depois... Acho que quando a lua fica cheia vocês ficam mais soltas. A mulher estava só de baby doll me esperando. Aí não deu pra aguentar.
- Entendi... Preciso desligar.
- Você não quer mais conversar?
- Não. Talvez amanhã. Tchau.
- Tchau.
Voltou para o seu lugar. Seus olhos já não mais sabiam se marejavam, como de outras vezes, ou se simplesmente perdiam o rumo. O coração já não disparou. Não era fúria. Não era ciúme. Não era falsa moral. Era o fim.

Ele chegava manso, doído, e da mesma maneira ingênua, atrapalhada e fantasiosa que chegou aquele o amor. Que logo na primeira transa relatou a ela as peripécias da madrugada no seu leito oficial e o abraço apertado que acalmou sua mulher aflita com medo da traição. Uma bobagem para ele, mas que a fez se sentir péssima, pequena. Logo ela, sempre tão primeira-dama. Mas o sorriso dele era tão verdadeiro, que a pureza das palavras tão impensadas acabavam o tornando mais encantador. Assim como as tardes partilhadas em uma padaria qualquer, tomando cerveja em copo americano. Nesses momentos ela tinha certeza que eles eram felizes, cúmplices e companheiros. Que ela enxergava sua alma. Mesmo que só por poucas horas. Era a certeza de que aquele trapalhão há fazia mais feliz do que triste. E isso bastava.

Dessa vez, isso não foi o suficiente. Quando ele partiu na noite anterior, a deixou extasiada. Depois de se fartarem de amor, a aconchegou no seu peito largo daquele jeito que era só dele. Deitada na cama, quase adormecida, desejou ser sua pra sempre. Dormiu e sonhou com um beijo e um amorzinho devagar ao amanhecer. Naquela noite, naquela noite em especial, ele não poderia ter achado nenhuma outra mulher irresistível. Nem mesmo a dona do seu coração.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Dois

Eram dois.
Cada qual no seu horário.
Cada qual na sua importância.
O velho mosaico do amor, encaixando com perfeição o tempo e os sentimentos.

Gentileza


A gentileza é assim.
Sorrateira pode aparecer em qualquer lugar.
Hoje, essa matreira, me sorriu pela manhã.
Foi nas balinhas agradecidas vindas de uma velha mão oriental.
O vagão ficou mais bonito.
O dia sorriu.

No metrô, encantada com a delicadeza de um senhor.
São Paulo, 17 de abril de 2009.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Jana



Jana

A Maria Rita está cantando o Milton.
Acho que eles são amigos.
Será que nós seremos?
Pedi pra que ela me mandasse notícias do mundo de lá.
Disseram que ela mandou.
Não sei.
Ela não queria pegar o trem.
Empurram.
Certa de que não veio e só olhou.
Passou e ficou.
Ficou em mim.
A nossa despedida deve ter rendido belos encontros.
Espero que sim.
Nesse vai e vem,
morro de saudades.
Sei que o trem é o mesmo.
Sinto seu olhar indo,
vindo.
Os dois lados da nossa viagem.
Do nosso amor.
Cumplicidade.
Eu e a Alyne estamos com você,
vivendo a vida desse nosso lugar.

Tati Marchesan
23/03/04

Amanhã ela faria 26 anos. Foi ontem que a vi caindo e abrindo a cabeça, enquanto tomávamos as três banho de esguicho no quintal. Foi ontem que ela entrevistava, com a língua presa, os nossos pais no meio de um churrasco em família e perguntava: “Você trocaria a Pit por um urso panda?”. Foi ontem que, só para agradá-la, enfrentei um show de rap ao seu lado na expectativa de ver o Mano Brown cantar.
Enfim... Já faz seis anos que demos o nosso “até logo”. E tem menos de um segundo que eu lhe dediquei o meu melhor sorriso.



Margaridas e luzes coloridas pra você minha irmãzinha. Tenho certeza que seu planeta é colorido.
Ainda estamos buscando “Nossa Fórmula Mágica da Paz”.
Saudades de você...

terça-feira, 12 de maio de 2009

Entorpece

Sobe,
desce,
percorre,
faz tremer.

A surpresa amolece.
Fita os meus olhos
Deixa-me tímida.
Creio que um dia vai umedecer.

Afasta os meus cabelos e aconchega-se.
Será que imaginas “o quanto penso em você com o meu coração”?



Hoje 25/10/02

terça-feira, 31 de março de 2009

Silêncio

Posso ouvir o silêncio do vento, que se calou na sua ausência.
O trânsito é barulhento, as pessoas ainda conversam, o jazz ainda toca, mas a essência emudeceu à sua espera.
Ainda sinto a delicadeza.
Ainda espero o beijo quente na testa.



São Paulo, 31 de março de 2009.
Refletindo sobre a eterna espera do amor.