terça-feira, 30 de março de 2010

Lugares por aí

A moça saiu de circulação já fazia uns seis meses. Plantou uma vida nova. Livrou-se do que julgava errado, aparou as arestas do passado. Contou seus segredos mais íntimos a fim de conquistar a rendição daquele que julgava amar. Enfim, traçou um destino diferente durante esse tempo de retiro. Quando escolheu o caminho mais difícil o fez com a ingenuidade dos puros. Pensou de fato que as demonstrações de sinceridade lhe renderiam sorrisos, não totalmente abertos, levemente fechados em função do ciúme, mas aquele velho sorriso preso no canto da boca, como que dizendo: “Era isso que eu queria de você”.

Esperava mão na mão e vida nova, regada à felicidade, família, companhia e tudo mais que vinha da parceria tão perfeita dos dois. Não foi assim. O tiro acertou o seu próprio peito e o sangue escorreu. Vieram ofensas e todo tipo de desaforos. Primeiro seu rosto empalideceu. Não entendeu nada, pra ela aquilo lhe parecia tremendamente injusto. Ficou muito tempo sem entender. Lastimou-se. Chorou. Insistiu em cartas surdas. Telefonemas suplicantes. Mas de pouco valeu.

Até que um dia, quando os seus minutos não transcorriam bem e sentia-se desamparada, tentou certo afago. Ganhou resposta áspera e inédita, porém verdadeira. Chorou em silêncio no meio do expediente, mas entendeu. Cansada dos boleros e baladas tristes, colocou um samba para tocar. Mas os seus preferidos nunca foram tão felizes assim. Amiga do Lado B bebeu seu salão vazio. Imaginou par. Uma frase trouxe a redenção: “Sambando para não viver em vão”. Tão triste, tão pequena, tão simples que se tornava bela. Sorriu daquele seu jeito. Imaginou que seus cabelos e sorrisos estivessem fazendo falta em algum lugar por aí. Notou que os lugares por aí andavam fazendo muita falta por aqui. Seu rosto desanuviou.


Tudo que vivi, Wilson das Neves.