quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Horas

Têm horas do dia que os segundos são assim (...).
É porque o peito fica vazio, vazio,
de tão cheio que ele é.

Têm segundos que não existem formiguinhas.
Elas todas fogem.
Simplesmente desistem de provocar as cócegas que fazem rir.

Têm dias em que as horas teimam em não ser bobas.
Os minutos trabalham sérios, cabisbaixos.
E os pobres segundos, que sempre gargalharam, já não sabem como se comportar.

Têm dias que precisam ser reinventados para que consigam terminar.


Nem lá, nem cá. Fundo de Quintal

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Borbulhante

O sono não foi tranquilo. Nada amornou seu coração, tudo estava em estado borbulhante. Já não sabia mais o que preferia: inércia ou incomodo. Alguns estranharam o seu silêncio, mas ela alegou cansaço. Dormiu sua noite mal dormida. Novamente assumiu o volante pela manhã, mas dessa vez não tinha cantoria, só o melancólico quis acompanhá-la.

Pensou durante o caminho inteiro sobre o que deveria fazer. Sabia que estava tudo errado. O sofrimento de todos os dias já lhe mostrava e a covardia dele frente ao amor também. Sempre iria faltava coragem, mas, por mais que ela negasse, aquele Donald trapalhão era o dono de todos os seus melhores sorrisos. E ela tinha certeza de que a Margarida dessa história era ela. Blasfemou contra a convenção e seguiu dirigindo.

Não havia jeito. Dessa vez ele mesmo tomou a decisão de seguir o caminho certo e acabar com tudo. O que ela pensava, naquele instante, era se suportaria a gentileza de uma simples amizade. Achava que a convivência faria ela sofrer o dobro pela ausência. Decidiu que não era forte o suficiente para aquilo.

Desceu do carro, quase ofegante por tanta urgência, e ligou para o número que já havia deletado da memória do celular. Do outro lado atendeu o timbre preferido dos seus ouvidos e isso foi o suficiente para que todos os seus sentidos reconhecessem os sinais. Quase se desesperou.
– Oi minha menina. Já chegou? Tudo bem?
- Então... Liguei porque estive pensando.
- O que foi?
- Eu não quero manter contato. Gosto demais de tudo pra conviver assim.
- Não acho necessário, mas se você quiser, eu respeito.
- Eu quero.
- Escrevi pra você agora pouco.
- Bacana, depois eu leio. Tchau, um beijo.
- Tchau.

Entrou no metrô sem sentir o chão. Voltou a si gradativamente, porém mais forte. As horas se arrastaram lacrimosas. O amigo do dia anterior e que tanto frenessi despertará, nem deu sinais. Ela esperava mendingante sua ligação, pois seria muito bom uma cerveja acompanhada de novos sorrisos. Quando já fazia noite alta, resolveu ligar. Ele, depois de alguma hesitação, desmarcou o encontro combinado. Ela foi pra casa triste e decidida a não procurá-lo no dia seguinte. Ao chegar se deparou com aquele, que distante dos outros dois, conhecia os seus olhares melhor do que qualquer outro. Ainda não sabia o que enxergava na névoa naquela noite.


Samba de Amor e Ódio, Roberta Sá.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Céu nublado

- Já matou a vontade daquele dia?
- Não... – Respondeu ele sob um sorriso silencioso, que ela descobria a cada segundo ser muito singular. Ficaram calados, quase adormecidos, enquanto a mão dela passava pelos cabelos dele, que era todo preguiça e se enroscava como gato pra dormir no seu colo.
- Hoje está nublado. Acho que choveu enquanto dormíamos.
- É...
Mais silêncio e ela solta seu riso irônico, que se ele a conhecesse saberia que se tratava de um prenúncio de aborrecimento.
- Meninos são muito diferentes. Enquanto falamos sobre vontade, vocês falam sobre o tempo.

Silêncio, silêncio, silêncio. Ele resolveu fumar um cigarro. Ela ficou de bobeira no colchão, conversando com seus pensamentos. Arrastaram-se segundos, ela não resistiu e foi para a porta da cozinha. Puxou um assunto desinteressado que lhe rendeu mais detalhes sobre a vida dele. A buzina do carro soou. Momento de ir. O ar desconcertado da casa conflitava com a alegria das visitantes. Saiu apressada.

O sorriso dele, que ela não conseguia esquecer, e o beijo no portão sugerindo ao imaginário que talvez existisse alguma chance. Foi embora pensando no contra. O a favor lhe mostrava que ele simplesmente era assim, solitário, só dele. Lembrou-se do acolhedor da madrugada. Rumou para novos ares sem entender muito o que se passava. As horas foram maturando.

Quando a tarde caiu, ela resolveu ligar. Ele atendeu com o jeito espontâneo de sempre, deixando transparecer tudo o que ela adorava. A menina, meio sem jeito por sua agonia matutina, se desculpou. Ele, com a alma leve dos moços inocentes, afirmou que estava tudo bem. O seu coração ficou mais feliz e a noite ganhou cadência.


Sutilmente, Skank.