quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Despertar

Não mais lembrava-se daquela sensação. O rotina já havia pasteurizado certas expectativas e ela, toda cheia de si, julgava-se bem feliz no seu mundo em tons pasteis, apesar da pouca idade. O estranho disso tudo é que a tranquilidade dos solitário não combinava em nada com seu sorriso largo e brilho nos olhos.

Talvez a moça só aprendera, nesse tempo, a receber pacientemente o melhor que a vida lhe dava diariamente a conta-gotas. Esse era o seu mistério, o seu devaneio: ser um flaneur de algo que ela nem sabia que esperava.

Naquela noite ela ainda nem sabia da existência dele, nem ele a dela. Era aquele papo de ser o amigo do amigo que na última hora resolve acompanhar o pessoal no “esquenta” de sexta-feira. Quando ela reparou, o “pessoal” se resumia aos três colegas recém-apresentados. Descontraída, disfarçando a sua timidez natural, entrou no táxi e rumou para o lugar. No bar encontrou outros conhecidos e todos juntos sentaram-se, beberam, cantaram e contaram histórias. Cada qual com as suas e ao mesmo tempo todas caminhando em paralelo.

Ela não sabe ao certo em que momento os sentidos começaram a se cruzar. Só sabia que sentia vontade de estar por perto, que gostava da camisa dele, da barba, do jeito despojado de fumar, do sotaque, do cheiro e sentiu formiguinhas ao dividir o seu brigadeiro com ele.

De lá foram para outro lugar. No novo ambiente, as sensações ainda se dissipavam, mas se espreitavam de longe. Até que em determinado momento, elas bateram de frente e se misturaram de um jeito tão pleno que viraram uma. Caminharam em uníssono de mãos dadas pelas ruas velhas da cidade que já recebia a alvorada.

Sorrateiras as sensações fingiram separar-se na despedida. Muito mais espertas do que os dois, simplesmente clonaram-se. Dormiram e acordaram juntas e não se dividiram mais.

Eles ainda não sabem. Vão cada qual para sua casa, achando que controlam os passos da alma. Mas foi nessa manhã que elas, com aquele sorriso matreiro no canto da boca, sussurraram em meus ouvidos: somos uma. O dia nasceu diferente, mas ninguém ainda sabe por quê.



Dia Branco – Geraldo Azevedo