quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Búfalo

Voltou com a cabeça cheia de formiguinhas correndo. O peito, que era barril de pólvora, estava muito próximo do fogo. Andaram se aproximando de território sagrado e isso ela não admitiria. Seria capaz de matar ou morrer.
Inhasã pariu 9 filhos e se transformou em búfalo que atacava quem chegasse perto dos seus rebentos. Ela havia parido só uma, mas já estava prestes a vestir sua pele.



Canto de Ossanha, Fabiana Cozza

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A moça. A espera.

“Só vim te convencer, que eu vim pra não morrer, de tanto te esperar...” O Chico cantava na velha vitrola. O chiado do vinil imprimia nostalgia à sala arrumada. A moça, que já não tão moça, colocava, em todos os dias de angustia, a sua melhor roupa, o seu perfume predileto e o batom que realçava o que ele mais gostava nos velhos tempos.
Ela ainda esperava, só não mais sabia exatamente o quê.

12/07/09


Sem Fantasia, Maria Bethania e Chico Buarque.

Tio

“Ontem estava tudo bem”. Era isso que ele pensava o tempo todo. O mundo virou de cabeça pra baixo e ele nem percebeu.
Achou, que naquele instante, os segundos eram sorrateiros e ficavam espreitando os fatos bem de longe só para correrem em disparada quando menos se esperasse.
Ainda era possível ouvir seu riso. Ainda era possível admirar a sua vaidade. Ainda tinha tanto brilho naqueles olhos que se cerravam. Até o mais cético dos mortais, naquela tarde, desejou acreditar em milagres.

12 de julho de 2009.


Sabiá, João Nogueira.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Sonho em redondilha

Na noite em que adentrei o mundo das preferidas de Balzac, tive um sonho em redondilha. Metrificada, entrei em um tempo de cocotas francesas que não foi meu. As companhias desatavam, mas o meu coração batia em compasso unificado à beleza do grande teatro.

03/09/2009.


Desesperar Jamais, Beth Carvalho e Mariana Aydar.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Geração

Todas as noites da semana ensaiavam parir o rebento que encheria de som o bar em uma comemoração despedida. Nessa construção, lenta e deliciosa, a mãe cantava, enquanto o padrinho tocava. A vovó parava e ficava ouvindo da cozinha. Ela, pequenina, entoava o refrão e até hoje ainda tagarela o lerelere em uníssono com a mais velha.

Saudades da voz.


Zé do Caroço, Mariana Aydar.

O literato

A fala é inquieta. O corpo miúdo e os gracejos infundados. A inteligência é real, assim como o simpático. A dúvida de não conhecer o real, encantam e entorpecem. É assim o fim da noite.

31/08/09

Monstro ao Pôr do Sol, Thalma de Freitas e Max B.O.

Alma em descompasso

O bar era bacana. As pessoas indiferentes. Os amigos muito especiais. Mas a música, nossa, essa não podia ser pior. Sua cabeça já não estava boa, uma mistura de cansaço, fome e acúmulo faziam dela chumbo. Só amigos tão queridos para desviarem-na do seu caminho.

O telefone tocou, certamente era um convite para ouvir jazz de bom compasso. Foi impossível não fazer comparação. Música eletrônica tocada em um bar comum, sem luzes ou embriaguez, definitivamente não faziam seu estilo. Pensou muito no jazz, na bossa, no Cartola, em lugares repletos de pessoas acima de 28 anos e no seu misto-quente que nunca chegava.

Lembrou-se do velho Buko, que muito antes de morrer já não ia a grandes shows, mesmo os seus preferidos, sua alma já andava em descompasso. Era isso! Encontrou o diagnóstico: alma fora do lugar. Ainda bem que os amigos deram remédio e a puxaram pelo pé.

Não teve como deixar de soltar um riso debochado. Tinha que admitir: “meninos são diferentes de meninas. Eles se divertem bem mais”.
Como são sabidos os guris.


Tranquilo, Thalma de Freitas.

Tigresa

Ele olhava para todos os lados. O samba estava cheio de moça boa, mas nenhuma ainda o havia apetecido. Quando ela chegou, ele sentiu um frio na espinha, como se já sentisse aquelas unhas passando de leve nas suas costas.

Desafiadora, tirou onda da cara de cada um da roda. Ria uma gargalhada debochada que vinha de dentro. Sua liberdade transparecia, assim como as brasas que acendiam as vastas ancas. Ele, já embebido naquilo, não enxergava mais nada, nem o que dançava ao seu redor.

Ela se fez de difícil, mas enfim o beijou do jeito que ele imaginara. E também roçou as unham como ele delirara a tarde inteira. Só atiçou sua vontade e foi embora. O moço nunca mais a esqueceu. O encantamento o acompanha até hoje. Ainda é capaz de fechar os olhos e fazer muitas coisas em sua intenção.


Acesa, Alcione.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Colo de Iemanjá

Certo momento, quando tudo tornou-se nuvem e desespero, a moça fez besteira. Depois de todo feito, despedaçada, pediu ajuda a quem sabia mais do que ela. Seguiu ensinamentos e aprendeu a entender os sinais. Seus olhos já sabiam voltar para si e encontrar a direção.

Novamente avistava-se revolta, com a diferença de agora ter jangada forte e navegar longe de desatinos. Dessa vez ela reconhecia o definitivo. Era preciso equilíbrio para aceitar resignada a oferta amarga do destino.

Filha de guerreiro, não curvava a cabeça. Mesmo que lhe caíssem lágrimas, essas seriam choradas sabiamente. Correu ao colo de Iemanjá e pediu para ela afastar a loucura. Deixaria morrer parte de si em águas de mar calmo. Chegaria a hora de peixe bom.


Canção para Oxalá / Saudação para Iemanjá / Fabiana Cozza.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Sexta-feira

Dia guardado pelo senhor das águas e do equilíbrio. A chuva de Xangô e Inhasã lavou a madrugada que principiou ao fim da quinta-feira. Todo conflito do mundo desabou em seus ombros naquela manhã. Um pedido angustiado de ajuda sacudiu a sua força. Resolveu o melhor a fazer. Pensou com tamanha fé no velho Ifá, que ele mandou sinais. Quando voltou naquela tarde, não cantou como de costume para o seu caçador. Louvou a bela Oxum de primeiro, mas encontrou o acalanto perdido na paz do velho senhor. Era Oxalá, reinando absoluto na sua sexta-feira, até o céu desanuviou. A tarde morreu clara.



Canto para Oxalá, Rita Ribeiro.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Um presente delicado

"Tatinha

Só o fato de ter a sua amizade já faria eu me sentir um sujeito privilegiado.
Mas o seu coração generoso te impediu de parar por aí.
Você me apresentou a outras pessoas muito especiais na minha vida.
Tornou-se minha parceira em um projeto lindo.
Me deu motivos de enorme orgulho ao fazer de mim seu padrinho e compadre.
Me ofereceu uma oportunidade profissional.
E está contribuindo pra minha volta aos estudos.

No aniversário, a gente geralmente diz "parabéns".
Mas pra você eu tenho que dizer:
– Obrigado!"

John.


Ahimsa tocando The Cure a seu modo.

Esse foi um dos presentes mais bonitos que o destino, e não o ventre, me deu.
Meu querido e talentoso amigo Danico, o meu japa e da Lulu.

O presente de Balzac

"Nossa história acabou". Essa foi a frase que ficou ecoando na mente, depois que ele desligou o telefone. Ela, na véspera, sonhou com um dia de sol, criança, pipa e depois um domingo de praia com todo mundo. Acordou e, ao telefone, ouviu aquela frase.

As pernas amoleceram e o peito se apertou como se fosse a primeira vez, ainda não havia acostumado com isso. Insistia e mesmo quando tudo parecia pedra, ela ainda tinha um último filete de esperança e amor devotado.

Preferia não saber o que fazer, mas na sua racionalidade virginiana sabia bem o caminho. As palavras da boca, que tanto já humilharam como amaram, deixaram claro. Não havia mais como fingir-se feliz.


Preciso me Encontrar, Cartola