quinta-feira, 17 de junho de 2010

Baile do ponto cheio

O amor vestiu uma capa no ponto de ônibus e pôs-se a desfilar de rosto colado pela calçada. Em tom sobre tom. Em dedos que se remexiam delicadamente para acarinhar.

Ela maior, ele menor. Ele frágil, ela forte. Dois corpos tão disformes, tão perfeitos. O baile no ponto cheio. O salão de asfalto e suor.

A beleza apreendida por olhos distraídos. A felicidade singela. O recorte que fez brilhar a noite.


Coisa mais bonita, Toquinho

Para o homem da biblioteca

Tirou os sapatos, as meias eram finas e azuis. O solado parecia gasto e a estatura da sua ossada era mediana. Calça jeans, camisa branca, calvice acentuada, testa franzida.

Deliciava-se com o livro como na sua melhor poltrona. Talvez estivesse.
A mesa da biblioteca, o seu reinado.
O meu olhar, apenas um flâneur de Baudelaire a espreitar sua condição.


Sudoeste - Adriana Calcanhoto.

Suspensa

Não conseguiu chorar, pois julgou descabida aquela culpa. De outras feitas ela carregou a marca do erro. Dessa vez ela só trouxe consigo o hiato que se formou diante da reação.

Foi embora tremendo, reflexo de sentimentos que não se explicavam. Andou pela rua suspensa em si. Indagou-se se fizera bem. Condenou-se por tanta sinceridade. Lembrou da voz ouvida naquela tarde e de como seu peito se encheu de felicidade só em pensar nas possibilidades. A primeira frase inundou seu coração: “amo você...”, o que veio depois das reticências dilacerou.

Fez uma parada no caminho e olhou para o nada. Iemanjá afagou seus cabelos, sussurrando que fizera o certo. Oxossi a sacudiu: estava orgulhoso dela.


Senhora Liberdade (Wilson Moreira / Nei Lopes) - Zezé Motta.