terça-feira, 21 de julho de 2009

Amor de Orum

A casa era desconhecida, mas o sentimento era de paz. Como se entrasse em um lar que fora sempre seu. O silêncio parecia ter esperado por ela uma eternidade. O espaço que espontaneamente ocupou, sentada no chão frente à janela que dava para rua, tinham o seu tamanho exato. Passou horas a olhar o sol se pôr. A noite cair. Percebeu a delicadeza do pássaro gordo, que todas as manhãs pousava na árvore robusta que fazia sombra a frente da calçada. Era o gordão, carinhosamente apelidado por eles.

Nas manhãs de domingo, iam comprar ramos de eucalipto e flores para as moças da casa. Oxum e Yemanjá abençoavam o lar do velho menino. Orumilá reinava absoluto no branco das sextas. Omolu limpava o espírito às quartas. E o lugar tinha sempre o cheiro bom das ervas.

A varanda era o espaço das plantas e todas tinham um “dono”. Ela aprendia todos os dias com ele. Ele aprendia a leveza de um sorriso com ela. Passeavam de mãos dadas por ruas, simplesmente, olhando a delicadeza da natureza e a benção dos Orixás, como a rosa sem espinhos que ele roubou para lhe presentear.

Dormiam nus e agarrados. Aos domingos, ou nos dias que sentiam vontade, faziam passeios à livraria. Ele falava sobre os livros e os filmes da sua vida. Depois um cinema e as intermináveis conversas regadas a algumas garrafas.

A gentileza de docinhos, quando ia encontrá-la depois do trabalho. A felicidade de voltar juntos para casa. Preparar o jantar. Ouvir um bolero. Dançar na sala, com a janela aberta. Fazer amor. Ele sempre acordando primeiro. Um beijo para despertá-la devagar, respeitando o tempo da sua preguiça. Preparar seu chá amargo, que tomava em jejum, enquanto assistia o jornal da manhã.

Ela levantava para vê-lo sair. Ia para o banho demorado. Ensaboava-se, ouvindo os discos do seu homem. Saia com uma cópia da chave e rumava para o trabalho, sentindo o ar bom da manhã. A vida era simples e tão em paz, no coração dos dois, que parecia ser sonho. Depois da primeira separação, um reencontro. Uma chuva caiu repentinamente em meio a tarde de sol ameno. Ele, com a beleza da sua sabedoria de velho Ifá, lhe disse: “É Oxum, usando as suas artimanhas para selar o amor”.


Oxum, Maria Bethania.

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