segunda-feira, 27 de julho de 2009

Telefonema

Esse sempre foi o seu sonho, desde o instante em que viu aqueles olhos pela primeira vez. Uma sensação estranha que há muito não sentia. Uma meninice e inocência que a vida já havia levado junto aos dias difíceis. Naquela tarde muita coisa renasceu. Descobriu semanas depois que era tudo faz-de-conta. Olhou para realidade. Olhou para o seu coração. Não tinha mais como fugir. Correu o risco. Aprendeu a ser feliz em pequenos instantes.

Naquela noite a campainha tocou, sem aviso prévio. Era ele. O olhar estava perdido. O semblante triste. O vermelho do rosto mostrava que havia chorado. Ele não precisou dizer nada. Ela lhe abraçou e disse: “Estou aqui”. Entrou e vestiu o casaco, enquanto ele fumava quieto no carro. Rumaram para o lugar de sempre. Beberam em silêncio. Ele chorou. Ela sabia como seria difícil. Segurou sua mão.

Passaram, pela primeira vez, a noite juntos. Não fizeram amor. Ela velou seu sono e acarinhou seus cabelos até ele conseguir dormir. Percebeu que, mesmo involuntariamente, seus corpos tinham o encaixe feito para dormir a eternidade de conchinha. Acordaram e tomaram café juntos na padaria. Compraram o jornal de imóveis. Desfizeram a mala no hotel barato. Pegaram o carro. Foram ver o mar. A brisa soprou.

O sonho foi ganhando algumas cores de leve. Seria preciso uma casa com três quartos e quintal. Ele, sem acreditar nos planos de outrora, perguntou: “Uma parede para rabiscos, histórias em quadrinhos e a tabela do campeonato?”. Ela sorriu. Duas cervejas. O telefone tocou. Ele atendeu e seu coração gelou. Tentou se conter. Não sorriu de imediato, mas o brilho nos seus olhos denunciou. Do outro lado a voz conhecida dizia: “Volta pra casa. Estamos te esperando”. Ele não precisou dizer nada. Voltaram para cidade quase mudos. Algumas lágrimas dela. Na porta de casa, um abraço. “Desculpe-me”, foi a única coisa que ele conseguiu dizer. Naquela noite, ela saiu pra dançar.


Olha, Chico Buarque e Erasmo Carlos.

Nenhum comentário: