sexta-feira, 1 de abril de 2011

Samba mágico

Aquele dia ela esperou por ele. Esperou como de costume, mas os sinais não vieram. Trabalhou sua cota diária e seguiu a maratona rumo ao subúrbio onde moravam. A casa de vila era ajeitadinha e a vizinhança muito unida, tanto para ajudas como para conflitos.

Buscou o filho do casal, na casa da avó, e foi para casa no mesmo ritmo das passadas do seu jovem de 5 anos. Enquanto colocava o menino no chuveiro, botou o feijão no fogo. A comida cheirava longe, pois a nega era boa nisso. O pequeno já saiu do banho e entrou no pijama. Enquanto ela cozinhava, ele vasculhava a casa e, assim, as horas passavam. Quando o jantar só aguardava o tempero da salada, o menino perguntou: “Mãe, cadê o meu pai? Ele não vem?”. Ela, desconcertada, fazia dentro de si a mesma pergunta, mas simplesmente não encontrava resposta. Olhou com carinho para o filho robusto, que tinha tudo do pai, com exceção da propensão à devaneios que herdara da jovem mãe, e respondeu: “Vem sim, querido, é que hoje ele tinha muito trabalho no escritório”.

Jantaram só os dois, sem o pai. Na mesa o lugar do marido ficou vazio e o prato a sua espera. Durante a sobremesa o menino teve uma idéia. Saiu silencioso e foi para o cômodo preferido do casal, um misto de biblioteca e sala de som. Foi nisso, que com toda ingenuidade da sua alma, colocou para tocar bem alto o samba preferido do pai. Na ponta dos pés, correu para o colo da mãe e disse sorrindo: “Quem sabe, mamãe, ele escuta e volta para casa...”. Os olhos da moça encheram-se de lágrimas, mas ela deu um sorriso e acenou um sim para o filho.


Coisas do Mundo Minha Nega, Paulinho da Viola.

Na esquina, em uma vila próxima, estava o marido. Com a gravata no bolso, o colarinho aberto e o paletó pendurado em uma cadeira qualquer. Todo solto, sorridente, jogava sinuca com os parceiros e, bonito como só ele, dividia o copo com as moças que estavam no lugar. De súbito seu coração ficou apertado. Deixou uma rodada paga para os que ficavam e seguiu, trôpego, para casa. O samba ainda não havia terminado quando ouviram o cachorro fazer festa e a porta se abrir. O pequeno saiu correndo, se pendurou no pescoço do pai e, olhando para mãe, disse em segredo: “Esse samba é mágico”. Ela sorriu para sua leveza.

Enquanto os dois meninos faziam festa, ela foi para o fogão. Ele apenas a olhava com aqueles olhos sem dono, olhos daqueles que sempre voltam para a velha casa. Ela não lhe deu sorrisos. Ele foi para o banho, quando saiu seu prato estava feito e devidamente posto no lugar que, horas antes, permaneceu vazio a sua espera. O filho lhe fez companhia no jantar, enquanto ela seguiu para varanda, onde moravam em harmonia as suas plantas, Exu, Ogun e Oxossi, os donos daquele chão, e sentou-se em uma das cadeiras com o livro que fingia ler nas mãos.

Depois de tempos, o pai colocou o pequeno faceiro na cama, já que adormecera em seus braços. Ao invés de explicações, o que ela ouviu, naquela noite alta, foi outra canção mágica. Sem perceber ou pensar, ela já estava nos braços daquele que sempre seria seu, mesmo quando era inteiramente do mundo. E acompanhada das notas que flutuavam pelo ar, a paz dos dois foi sendo selada ao seu modo singular, daquela maneira que todos criticavam, mas que no fundo tantos invejavam. Sem discussões e lamentos, uma paz que ardia por todos os cantos e desfalecia extasiada naquela cama abençoada pelas yabas. Uma paixão que sobrevivia das diferenças, mas se alimentava da semelhança. Um amor que, em conjunto, aprendia a cada novo dia a magia de se viver em dueto.


Samba da Volta, Vinícius e Toquinho.

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