terça-feira, 5 de abril de 2011

Outra Versão

Era tempo de festa profana. Ninguém mais conhecia o caminho de casa e cada dia a vida se fantasiava com um adereço diferente. Frenético. Tudo na mais alta voltagem.

As duas chegaram sóbrias no começo da festa. Deram uma paradinha e logo na entrada já chamaram atenção. Vamos respeitar, elas tinham quilate. Alguns moços trataram de fazer as honras da casa. Todo mundo se derretendo em sorrisos por todos os lados. Era alegria geral. Felicidade fácil e com hora marcada. Gargalhadas fluindo do prazer fugaz e descomprometido. Beijinhos descontraídos que sinalizavam vento e amizades.

Entraram rumo ao resto da festa. Logo que ela o avistou comentou: “Vamos ficar por aqui”, e ficou como quem não quer nada. Ela logo percebeu que os olhares se encontraram, que ele analisou o material e gostou do que viu. Só que o nego tinha garbo e não ia se dando assim. Ela também manteve certa pose, até porque nem mascarada conseguia ser assim “tão profana”.

Outros amigos foram chegando nas duas turmas. O grupo ganhou corpo, até que, em determinado momento, alguns começaram a trocar brincadeiras e assim formou-se uma grande roda. Nessa mistura é que começou a confusão. Como em um tabuleiro de xadrez, a posição determinava muita coisa, principalmente a estratégia de jogo. A moça, apesar de simpática, não era a mais ligeira da turma. Ele, apesar de ter gostado do material, era altivo demais pra atravessar a roda. Foi assim que a tarde seguiu.

As amigas mais ousadas, cercaram-no. O seu amigo mais próximo notou que a moça era bacana e, com isso, os fatos foram tomando rumo. O Dom. Garboso, foi para cama bêbado e sozinho. O amigo e a morena foram para outro lugar.

Depois da dita festa, eles nunca mais se viram, porém a vida é mesmo o sonoro gargalhar de Deus. Certa feita, ela teve que voltar sozinha à cidade onde tudo se deu, coisas de trabalho. Não tinha mais contato algum. Depois de um dia cheio, resolveu fazer-se bonita e ir tomar a merecida cerveja da noite. Lembrou-se do bar daqueles dias de folia e foi lá a sua primeira parada.

Ele estava do outro lado da cidade, mas como a noite pedia uma bebida resolveu afrouxar o colarinho e convidou uma doninha qualquer para uma gelada no mesmo bar da velha folia, porque a intenção era, devido a distância, não voltar para casa e dormir bem enroscado em uma cama diferente.

Chegou ao bar antes das duas mulheres. A sua convidada apareceu na sequência e lá foram pelas vias de uma conversa banal e de encantos conhecidos. Foi quando, para sua surpresa, entrou pela porta a moça de salto alto, vestido leve e pouca maquiagem, com um jeito de andar que misturava timidez, altivez e sensualidade. Tudo nela mostrava que ela não pertencia à cidade, mas mesmo assim ela não se abalou, sentou no balcão e pediu seu chopp escuro. Mexeu no celular para simular que esperava alguém, mas não havia ninguém para chegar.

Depois de um tempo, um moço bonito encostou ao seu lado e avisou que quem ela esperava não viria mais. Ela riu e respondeu, espontaneamente, que sabia disso. Começaram uma conversa amena. Lá pelo terceiro chopp ela resolveu ir ao banheiro. Quando se preparava para voltar ao seu lugar, deu de cara com o Dom. Garboso. Ele soltou um riso frouxo, a cumprimentou com um abraço e perguntou coisas banais. Ela falou sobre o que a trouxe a cidade e disse que havia saído para aproveitar a noite quente. Ele, sabiamente, perguntou se veio com o namorado. Ela só respondeu: “estou no vento”. Ele riu e disse que também. Os dois se entreolharam fingindo ignorar o que havia se formado na atmosfera. Ela voltou para companhia do novo amigo e ele para a velha conhecida, porém o mundo já estava diferente.

Ela resolveu esticar a noite. Despediu-se do amigo, trocou contatos e rumou para outro bar conhecido, foi ouvir sua cantora favorita. Olhou para o Dom e, somente, acenou de longe. Algo no ar cantarolava coisas que ela não conseguia decifrar. Caminhou sozinha para o próximo local. Lá o samba facilitava o contato e ela já não se sentia tão tímida por estar só, tudo bem que o consumo dos cinco chopps anteriores facilitavam bem a sensação.

Estava em um canto, quando fechou os olhos por segundos para sonhar com a sua música preferida, nesse momento sentiu uma mão que a envolvia pela cintura. Dom, no alto da sua segurança, deu seu sorriso meio de lado e disse ao pé do seu ouvido: “Se você reclamar eu conto seu segredo lá no microfone” brincou. Ela deu uma gargalhada só dela e ele a olhou encantado. Dali, noite a fora, beberam quantos chopps julgaram aguentar e partilharam muitos outros segredos e semelhanças. Como previsto ele não voltou para sua cama naquela noite, nem na seguinte. Só apareceu quando a moça já estava longe, dentro do avião. Quando perguntaram a ele por onde andou durante o fim de semana, ele só respondeu: tava por aí.

Agora eles tinham um segredo muito maior. Lembranças bem maiores. Temores que iam muito além do fato dele saber, sigilosamente, que ela odiava gramática e ortografia.


Tava por aí, Martnalia

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