segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Vigília do tempo

Caminhava com seu vestido mais leve. Um de flores miúdas que a deixava com a alma mais adolescente. Da sua calçada olhava os espaços, buscando cores novas. Flores novas para o seu jardim.

Era época de colheita matutina. Havia algum tempo que obedecia esse ritual. Gostava de sentir o cheiro fresco da manhã nova. Andar acompanhada do silêncio de vozes. Ir somente embalada pelos pássaros que sempre conseguiram acordar antes dela. Caminhava sendo recebida pelos sorrisos calados e educados dos senhores e senhoras que, da mesma maneira que a mulher, porém com muito mais sabedoria e outra medida de pesar, acordavam ainda noite, mesmo quando podiam se fartar em seus lençóis.

Ela acordava não para caminhar, mas sim para olhar, do banco solitário, o nada que vinha nascendo. Ele sempre nascia, independente do que houvesse, e sempre vinha carregado de coisas que para ela nada diziam.

Olhava e voltava a olhar aquele cintilar. Buscava incansavelmente as cores que ainda faltavam. O tempo ia passando, o mundo ia clareando, os cabelos mudando, as estações, o tamanho das crianças. As cores não. As cores surgiam sempre uma mutação do mesmo tom.

O vestido ficou gasto. O rosto gasto. A alma gasta. Ela ainda se sentava no banco esperando, com a esperança que não desgastava, as cores que faltavam para o seu jardim.


Canto Triste, Mônica Salmaso (Edu Lobo / Vinícius de Moraes)

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